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Pesquisadores criam método para substituir animais vivos em aulas de cirurgia veterinária

Iniciativa premiada adaptou técnicas de embalsamento de cadáveres no século 18 para preservar tecidos de animais mortos

Embora anos antes já tivesse introduzido novas práticas no ensino de cirurgia aos alunos do curso de veterinária, foi no simbólico ano 2000 que a professora Julia Maria Matera deu sua palavra final: “chega.” Desde então, nenhum animal vivo foi utilizado em suas aulas — e pouco depois, em mais nenhuma aula da FMVZ (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia) da USP.

Marcelo Camargo/ ABr

Sem animais vivos, alunos conseguem se concentrar melhor nas aulas, afirma professora da USP

Quando iniciou sua carreira como docente na Universidade e assumiu a disciplina de Técnica Cirúrgica, o treinamento dos estudantes era feito com animais recolhidos pelo Centro de Controle de Zoonoses da cidade, encaminhados à faculdade. Os cães eram sedados e, após o procedimento, eutanasiados. “Eram utilizados, em média, 300 animais por ano, e isso me incomodava muito”, lembra a professora.

Além de provocar o sacrifício desnecessário de animais saudáveis, a prática não tinha a eficiência desejada, já que nem todos os alunos podiam treinar os procedimentos estudados — as turmas eram divididas em grupos e apenas um integrante de cada grupo podia realizar, de fato, a prática. Nas semanas seguintes, já em outros tópicos, os demais alunos se revezavam.

Com esse incômodo, que a acompanhava desde sua própria formação, Julia passou a fazer visitas em outras universidades com a ideia de desenvolver técnicas cirúrgicas que dispensassem o uso de animais vivos.

Nos Estados Unidos e na Europa, já se usavam cadáveres preservados para os treinamentos, mas era preciso fazer adaptações para o uso das técnicas no Brasil, devido às altas temperaturas do País. “Sempre tive claro que para ter uma boa aceitação, era preciso ter um material de qualidade”, afirma. Assim, procurou o professor Antonio Augusto Coppi, colega de departamento, para trabalhar na empreitada.

Buscando a solução

O uso de cadáveres preservados em vez de animais vivos em sala de aula apresentava algumas exigências: tinha que manter a textura da pele, coloração e estruturas, ou seja, garantir a similaridade com o modelo vivo.

“Pesquisamos alternativas e então encontramos uma técnica que era usada para embalsamar cadáveres no século 18 em um hospital na França, a solução de Larssen”, conta Julia.

Adaptando a fórmula para reduzir os custos do produto sem perder a qualidade, os pesquisadores chegaram à chamada solução de Larssen modificada. Injetado no animal, o líquido consegue preservar os tecidos, conservando a cor e a flexibilidade característicos. Os detalhes da técnica foram relatados na dissertação da então mestranda Rosane Maria Guimarães da Silva.

Com a introdução dos cadáveres nas aulas, todos os alunos passaram a poder realizar os procedimentos e, inclusive, repeti-los, algo de grande relevância na área cirúrgica, que exige habilidades só adquiridas na prática. “E além disso você tem um aluno muito mais concentrado, que consegue prestar atenção e pode repetir o procedimento sem culpa”, acrescenta a professora. Os cadáveres vêm do Hospital Veterinário da FMVZ e têm origem ética, ou seja, foram doados com consentimento dos tutores após óbito dos animais.

Em uma segunda fase, Julia começou a trabalhar em cima de outra questão que envolvia o uso dos animais preservados: o fato de não haver sangramento, reduzindo a similaridade com o procedimento real. Com a colaboração de alunas de iniciação científica e pós-graduação, desenvolveu uma forma de passar fluidos que imitam sangue pelos vasos do animal por meio de uma bomba, simulando o processo.

Iniciativa premiada

A partir da iniciativa da FMVZ, que dispensou o uso de animais também em outras disciplinas, a legislação em âmbito estadual e federal passou a dar mais atenção ao tema, gerando uma mudança de comportamento, segundo Julia Matera. “Já ouvi de alunos que se esforçaram para cursar a USP porque sabiam que não teriam que usar animais vivos em sala de aula”, comenta.

A importância desse trabalho e o pioneirismo da Universidade estimularam a professora a se inscrever no concurso “Métodos substitutivos ao uso prejudicial de animais no ensino humanitário da Medicina Veterinária e Zootecnia na América Latina”, proposto pela World Animal Protection, no qual conquistou o primeiro lugar.

Como prêmio, recebeu um conjunto de modelos e simuladores. Entre eles, o boneco Jerry, para aprendizado de auscultação, uma cabeça de cachorro para treinar entubação e modelos em silicone para treinamento de castração.

As aquisições devem integrar um futuro Laboratório de Habilidades, projeto que a professora discute atualmente com colegas da unidade. O local abrigaria os manequins e peças criados para a simulação de procedimentos e seria destinado também às práticas com cadáveres.

(*) Com informações da Agência USP de Notícias.